Cores, Ritmo e Dança



Fotos Rafael Vilarouca/ Franklin Lacerda


Dentre todas as manifestações culturais do Cariri, qual delas abordaremos? Todas têm o seu legado e contribuição, reconheço, mas qual delas ainda não foi explorada pelas páginas, lentes e microfones da mídia ávida por notícias? E, principalmente, quais destas ainda mantêm seu formato puro e íntegro das construções ancestrais?
Num primeiro momento esta decisão não foi fácil, mas bastou puxar um pouco pela memória para lembrar que de dentro de um dos bairros mais populares da cidade do Crato, brota a força de um dos grupos de maior representatividade da região, o Coco das Mulheres da Batateira.
O bairro Gisélia Pinheiro, conhecido como Batateira, é um dos lugares mais carentes da cidade do Crato. Como se encontra aos pés da rodovia CE 230 toda a estrutura do lugar é voltada para suprir as necessidades das pessoas e carretas que por ali passam diariamente. Por conta disso, criou-se certa marginalidade e prostituição que afeta diretamente os moradores do lugar. Pensando nisso, as várias manifestações culturais e aparelhos sociais existentes no local dão o tom de inclusão para jovens, adultos e idosos da comunidade.
Ao telefone marcamos a entrevista, numa manhã de domingo, com a Mestra do grupo, a senhora Edite Dias. No dia e horário combinados fomos ao encontro. Qual não foi a surpresa ao encontrar nossa entrevistada sentada em seu sofá saboreando a sua merecida manhã de descanso. Ao ver o carro, susto... A nossa anfitriã manda a frase: “Puxa, tinha esquecido que vocês vinham. Vocês me desculpam meus filhos?” Isto soou como um balde de água fria nos planos. Mas, antes que o nosso leitor pense que este esquecimento possa parecer desleixo, vale ressaltar que as Mulheres do Coco da Batateira são todas agricultoras e trabalham em suas roças para garantir o seu sustento diário e que entre idas e vindas de sol a sol essas senhoras guerreiras ainda encontram forças para dançar o Coco que, diga-se de passagem, provoca alegria, euforia e encantamento em quem vê.
O que nos pareceu de antemão um problema foi rapidamente solucionado pela Mestra que em questão de minutos reuniu ali na frente dos nossos olhos, seis senhorinhas idosas cheias de energia e disposição para nos oferecer uma das conversas mais agradáveis das entrevistas feitas para esta revista.
Todo mundo acredita que a dança e as músicas do Coco que conhecemos hoje surgiu em Pernambuco, isso graças à enorme popularidade que os artistas, cantores e compositores deste estado produziram, entre eles estão: Selma do Coco, Lia de Itamaracá e Zé Neguinho do Coco. Porém, para quem não conhece o ritmo e a dança, eles surgiram dos descendentes africanos e indígenas que viram no trabalho de quebra do coco de babaçu a inspiração para as danças e músicas desta manifestação popular. Há quem diga que apesar de mais freqüente no litoral, o Coco teria surgido no interior, provavelmente no Quilombo dos Palmares, a partir do ritmo em que os cocos eram quebrados para a retirada das amêndoas. A palavra Coco significa cabeça que é de onde vêm as músicas de letras simples. É uma dança de roda acompanhada de cantoria e executada em pares, fileiras ou círculos durante as festas populares.
O Coco da Mulheres da Batateira não data deste período. Ele teve início em 1979, no Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, na cidade do Crato, e o grande incentivador do surgimento do grupo foi o Mestre Eloi Teles que insistiu junto às mulheres que se reunissem e montassem uma apresentação para a semana do folclore desenvolvida na escola. Na época, apenas duas senhoras conheciam as toadas e as pisadas desse ritmo, mas o que era para ser um desafio transformou-se numa gostosa brincadeira que vive até hoje. “Na época ficou um grupo grande de mulheres, nós brincávamos em comemorações de dia de reis, renovações e festas juninas, além de fazermos ‘festinhas’ para nós mesmos”, conta Dona Edite Dias, Mestra do grupo.
A energia do Coco foi contagiando as mulheres de tal maneira que esta brincadeira passou a fazer parte do dia-a-dia dessas senhoras. As apresentações foram conseqüência desse desejo de estarem sempre juntas cantando e dançando o Coco, aliado a energia vibrante do ritmo. Coincidência ou não, as Mulheres do Coco conheceram uma das coordenadoras do Centro de Estudo do Menor e Integração na Comunidade – CEMIC que lhes falou sobre a formação do grupo, vestimentas e apresentações, além de expor propostas e explicações sobre a formação de grupos folclóricos, oferecendo-se para doar as vestimentas que usariam em suas apresentações. Da formação inicial, somente três mulheres ainda compõe o grupo, mas esta ideologia já se mostra latente com a formação de três grupos mirins que caminham entre o Maneiro Pau e o Coco, mostrando que a identidade cultural das crianças do bairro pode e deve ser incentivada.
“O Coco para nós que brincamos, representa muita coisa. Representa nós se valorizar, animar o nosso bairro que é muito esquecido e esquisito, pegar mais energia, porque a gente pega uma energia danada quando dançamos o Coco. Ás vezes, a gente esta meio baqueado (sic!) e quando dançamos o coco as coisas melhoram para todo mundo”, nos conta Terezinha de Lima, integrante do grupo.
Longe de ser um grupo famoso, o Coco das Mulheres da Batateira ainda acredita que possa realizar um dia o tão desejado sonho da gravação de um CD com suas músicas e como disse o velho poeta: “Sonho que se sonha junto é realidade”. Foi o que nos mostrou as senhorinhas que numa tarde de carnaval buscaram a inspiração das festas para brincar mais uma vez o seu precioso Coco e, neste momento, vimos que se houvessem mais vinte quatro horas, aquelas pequenas senhoras de tamanho, mas grandes de coração dançariam ali até não restar mais dúvidas de que o seu maior prazer é o Coco. E tome energia!


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