Centenário de Patativa do Assaré

“Digo e não peço segredo..."


Por Arethusa Fernandes


A literatura oral passa pelo leito da memória, desaguando em gerações posteriores, herdeiras de uma tradição rica em significados culturais. Distante do âmbito urbano, poemas e histórias eram contados nos alpendres das casas, sob a luz da lamparina, ocupando o lugar que as novelas ocupam hoje, transportando pessoas para o mundo de fantasia, do imaginário popular, fazendo com que elas esquecessem a peleja diária da vida sofrida do sertão.
E é nesse ambiente que Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, cresceu e desenvolveu seu talento, escutando seu irmão, que lia cordéis. Com 13 anos de idade, Antônio já fazia versos em festas juninas e religiosas locais e aos 16 comprou sua primeira viola, com o dinheiro da venda de uma ovelha.
Patativa é um pássaro típico da região nordestina, de penas acinzentadas, conhecido por emitir um canto enternecedor. Quando Antônio Gonçalves começou a despontar como poeta, muitos cantadores recebiam essa denominação como analogia à ave, por isso ele adicionou ao Patativa, o nome de sua cidade, para melhor ser identificado. Antônio Gonçalves nasceu em 5 de março de 1909, na propriedade rural Serra de Santana, situada no município de Assaré, ao sul do Ceará, lugar onde amava e nunca conseguiu se afastar por muito tempo (apesar de sua projeção nacional e internacional), e onde morreu, no dia 8 julho de 2002.
Esse ano, o município de Assaré deu inicio, de 01 a 05 de março, às comemorações do centenário de Patativa, em 2009. Os festejos que já aconteciam, anualmente, para comemorar a data de nascimento do poeta, agora serão realizados todo dia 05 de cada mês, até março do próximo ano, em praça pública, com teatro, música e diversas manifestações culturais. O intuito da Secretaria de Cultura Municipal, de acordo com a filha de Patativa, e uma das diretoras do Memorial Patativa do Assaré é preservar a história do poeta e divulgar seus versos, fazendo com que novos pesquisadores, jovens e crianças conheçam sua obra.
Segundo o pesquisador francês, Raymond Cantel, que estuda literatura de cordel, e percorre o Brasil desde 1959, em busca dos textos de repentistas, a designação “‘Poesia Popular’” é freqüentemente usada com uma errônea conotação pejorativa; sendo considerada de menor qualidade em comparação com a Literatura Clássica, porque subentende-se que os autores da Literatura dita Popular, são ingênuos, “bonachões” e suas obras são construídas com um “vocabulário pobre” e limitações estéticas. Cantel afirma que Patativa do Assaré surge como um dos poetas que desmontam essa concepção, revelando-se um homem de plena sabedoria, pois ele sabia, como ninguém, retratar a realidade de sua gente, porque era um deles. Por essa razão, para muitos estudiosos, Patativa é considerado o poeta que melhor soube transmitir em versos e prosa os contrastes do sertão nordestino. Como Patativa mesmo dizia: “para ser poeta basta no mês de maio, recolher um poema em cada flor brotada nas árvores do seu sertão”.
Patativa do Assaré foi, e ainda continua sendo, objeto de estudo para muitos pesquisadores, em dissertações, teses, e inclusive em Sorbone, na França, onde está incluído na disciplina Literatura Popular Universal.
Embora tenha ido à escola por apenas seis meses, e com uma visão debilitada, pois era cego de um olho, Patativa leu a obra inteira, Os Lusiadas, de Luís Vaz de Camões, confessando achar um tanto quanto complicado, mas seu encanto ocorreu por conta da estrutura dos versos camonianos. Patativa do Assaré também era leitor de jornais e revistas, o que provavelmente tenha lhe conferido uma leitura de mundo crítica, que muitos alfabetizados não têm.
Seus versos falavam sobre a injustiça social contida no país que ele demarcava e denominava de Dois Brasis, o do pobre e do rico. Elemento que pode ser notado até mesmo no poema A Morte de Nanã, dedicado a sua filha, que morreu de desnutrição aos 8 anos de idade. Patativa do Assaré tinha consciência que ela não era a única criança vítima da opressão, do descaso, pois o poema representa o amor puro entre pai e filha, em contraste com a ganância dos poderosos que, segundo Patativa, não resolvem o problema da seca porque não lhes convêm; por falta de políticas públicas eficientes.
Triste Partida, consagrada na voz de Luíz Gonzaga, se tornou o hino do sertanejo retirante, que se vê perdido em uma terra distante, em um mundo que não lhe pertence, em uma cidade estranha, de rostos estranhos, de costumes diversos e tão diferente do seu saudoso sertão.O Centenário do poeta é muito significativo, porque homenageia um homem que permanece vivo, ecoando seu canto; além de promover a propagação de seus versos, fazendo com que eles sejam conhecidos por novas gerações e que se perpetue no cotidiano, da mesma forma que acontecia com a rodada de histórias contadas nos alpendres e terreiros das casas, dos casebres e dos casarões deste sertão repleto de aves graciosas. Vamos sim, comemorar cem anos de Patativa, porque sua obra continua atual. Afinal, os problemas que ele descreveu persistem, e não podem ser esquecidos. Patativa precisa ser lembrado, lido e discutido, nos colégios, nas universidades, nas bibliotecas, nas praças e na mídia para aprendermos com um sábio que pouco freqüentou a escola, mas foi doutor em política, sociologia, psicologia... Foi doutor da vida.




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